domingo, 20 de junho de 2010

Reportagem Especial: Lixão de Paracambi, meio século de problemas para população de município fluminense





Por racismo ambiental:

- Lixo de Paracambi polui mananciais e governo promete novo aterro em um ano
- Produtores rurais de Paracambi não querem aterro sanitário no município fluminense
- Construção de aterros sanitários é a principal política de gestão de resíduos no Rio
[Ecodebate] – Um lixão a céu aberto, instalado há cerca de cinquenta anos, de maneira irregular no município de Paracambi, situado a 70 quilômetros da capital, preocupa os moradores. Ambientalistas cobram providências e exigem a desativação do local.

A organização não governamental (ONG) Instituto Ambiental Conservacionista 5° Elemento, com sede na cidade, elaborou um dossiê com informações e fotos coletadas desde 2008 no local. Relacionam o desaparecimento de árvores e animais, além de uma série de doenças na comunidade de Beira da Linha, de cerca de 50 habitantes há menos de 30 metros do local, ao surgimento de um lago de chorume do lixão (com contaminação do lençol freático). O governo estadual iniciou em maio obras para fechar a unidade e reparar os impactos ambientais.

Sem nenhum tipo de infraestrutura para proteger da contaminação o solo e o lençol freático, o vazadouro, uma área de 35 metros quadrados, recebe 30 toneladas de rejeitos por dia, que até há poucos meses, não passavam por nenhum tratamento, favorecendo a proliferação de doenças e de insetos. A montanha de lixo começou a ser aterrada em maio, agravando impactos, como o vazamento direto de chorume para o Rio dos Macacos, que deságua no Rio Guandu, responsável pelo abastecimento de 12 milhões de pessoas no estado.

“O lixão de Paracambi tem todos os problemas ambientais e sanitários que um lixão pode ter. Gera poluição do ar com a liberação de gases tóxicos como o metano, poluição em decorrência do chorume, que contamina o solo e, obviamente, os lençóis freáticos, a água, além de ser um foco de proliferação de doenças, porque a matéria orgânica em decomposição atrai ratos, moscas e urubus”, avaliou o professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Adacto Otoni.
O chorume que já minava nos quintais de casas do bairro Beira da Linha, situado entre o lixo e o rio, onde vivem famílias de catadores, formou uma lagoa atrás do vazadouro. O material entra em contato com animais usados na alimentação e é suspeito de provocar doenças, como diarreia, giardíases, dermatites, entre outras, afirma o relatório da ONG. A pequena Raquel Gregório, de 10 anos, conhece e sofre com esses efeitos. “Esse cheiro dá muita dor na minha cabeça e, às vezes, a gente não consegue nem dormir.”

A lagoa de chorume também acabou com a principal alternativa de lazer da comunidade. Atrás do lixão (que não tem sequer um muro ou cerca de contenção), um pequeno campo de futebol foi tomado por água de cor cinza e cheiro insuportável. Sem proteção, as crianças continuam brincando por ali, aumentando o risco de contaminação, destaca o relatório. A prefeitura da cidade promete solucionar o problema impedindo a passagem no local até junho.

Com a capacidade do lixão acima do limite, outra preocupação dos ambientalistas é a construção de uma nova área para receber os dejetos da cidade, atrás da atual montanha de lixo, que contaria com recursos de um pacote de R$ 3 milhões do governo estadual para remediar impactos ao solo e ao lençol freático causados pelo vazadouro. A nova célula, feita em conformidade com as regras ambientais, funcionaria por um ano, até a construção de um aterro regular na cidade.

A ONG ambientalista 5º Elemento cobra o cronograma de obras e, assim como o professor da Uerj, defende um centro de tratamento de resíduos em vez de um aterro. “Eles não dão prazo e nem informam como será a obra. Queremos saber o que vai ser feito para poder acompanhar”, reivindicou a bióloga da 5º Elemento, Márcia Marques, ao defender transparência na divulgação de informações sobre a remediação do lixo e da nova célula.

Lixo de Paracambi polui mananciais e governo promete novo aterro em um ano

O vazamento de chorume do lixão do município fluminense de Paracambi para o Rio dos Macacos pode contaminar a água até mesmo de quem mora longe dali. Ambientalistas denunciam que o líquido poluente que mina nos quintais das casas ao lado do lixão e escorre para os Macacos, atinge também o Rio Guandu, que abastece 12 milhões de pessoas no estado, a maioria na região metropolitana.

“A contaminação do lençol está evidente pelo lago de chorume ao lado do lixão”, afirma o presidente do Instituto Ambiental Conservacionista 5° Elemento, Edimardo Campbell. A organização não governamental fez um dossiê com impactos causados pelo lixão, pedindo o fechamento da unidade em dez dias. Listam a perda da biodiversidade (morte de árvores e animais), poluição do lençol freático, além de doenças. Entre o lixão e o Rio dos Macacos – uma distância de cerca de 50 metros – vivem cerca de cem pessoas no Bairro Beira Linha, formado principalmente por famílias de catadores.

A poluição do rio por substâncias tóxicas como chumbo e cádmio também foi denunciada em pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), de 2005. No ano seguinte, o alerta passou a constar nos relatórios do Conselho Gestor da Bacia do Guandu.

O presidente do órgão, o professor UFRJ Decio Tubb, disse que em relatório enviado a autoridades ambientais municipais e estaduais, a entidade aconselhou o fim do depósito irregular em Paracambi. “Em algum momento, esse chorume chega aos [rios] dos Macacos e Guandu. Existe um risco grande de contaminação, mas com a passagem do líquido pelo solo, pode ser que o grau de contaminação seja reduzido.”

Os afluentes do Guandu são constantemente monitorados pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea) para impedir a contaminação do abastecimento. Mas com o alerta do risco pela Companhia Estadual de Águas e Esgoto (Cedae), a Secretaria Estadual do Ambiente anunciou o fechamento do vazadouro, destinando R$ 3 milhões para reparar os impactos ambientais e construir uma área provisória para o lixo da cidade até a construção de um novo aterro sanitário, dentro de um ano. Com isso, o lixão de Paracambi deve deixar de funcionar até setembro.

“Essa é uma situação tratada com urgência devido ao estado de total saturação do lixão. Registramos o vazamento de chorume para dentro de um rio, para casas de pessoas. Temos problemas de saúde gravíssimos e com a quantidade excessiva de chuva no começo do ano, fomos instados pela companhia de abastecimento pelos problemas de poluição”, informou a secretária do Ambiente, Marilene Ramos.

O pesquisador do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coope) da UFRJ, Luciano Basto, lembra que, de acordo com levantamento da Organização das Nações Unidas (ONU), doenças transmitidas pela água matam mais que a violência. “No mundo, metade dos leitos hospitalares são ocupados por pessoas acometidas de doenças de veiculação hídrica e no Brasil os dados são alarmantes.”

Produtores rurais de Paracambi não querem aterro sanitário no município fluminense

Produtores rurais Paracambi, município do interior do Rio, estão preocupados com a construção de um aterro sanitário para receber 260 toneladas de lixo por dia, nos próximos 20 anos, conforme anunciou o governo estadual. Temem a poluição da água, do solo e, consequentemente, dos alimentos. Para muitos, a instalação afetará os pequenos negócios.

Representante da Associação de Produtores Rurais de Mutirão, que reúne cerca de 90 pequenos agricultores, Márcio Garcia Dornelas diz que o aterro é uma “ofensa”. Lembra que a região é ocupada por antigas famílias de sem-terra, assentadas pela reforma agrária, e que tem agora ameaçada a principal fonte de renda.

”Vendemos para toda a região, muita gente passa por aqui. Produzimos verduras e legumes que as pessoas podem deixar de comprar. Quem quer alimentos que venham do lixão?”, questionou em sua venda, uma pequena tenda à beira da estrada. “Isso vai dar má fama aos nossos produtos e ninguém vai comprar”, completou.

A possibilidade de contaminação também assusta quem lida com animais. Dono de uma pequena indústria de laticínios, Ronaldo Muragaya cobra mais informações sobre o projeto. “Essa é uma área que fica alagada entre março e novembro e tem água que corre para dois rios Ribeiro das Lages e Santana. Acho que esse tipo de projeto não pode ser feito na boca pequena. Eu sou vizinho, quero saber, quero ser consultado.”

De acordo com a Secretaria Estadual do Ambiente, o aterro sanitário custará R$ 10,5 milhões e será construído a 7 quilômetros do centro de Paracambi, na RJ-093, o principal acesso à cidade, de maneira consorciada com os municípios de Engenheiro Paulo de Frontim, Mendes, Japeri e Queimados. A secretária da pasta, Marilene Ramos, afirma que o aterro é a alternativa mais econômica e não funcionará como lixão.

“O aterro é feito com requisitos técnicos necessários para reduzir ao máximo qualquer impacto ambiental. Todo chorume é controlado, tratado, e todos os gases são captados. É totalmente diferente do lixão, que existe exatamente pela falta de solução adequada para a disposição do lixo”, disse Marilene Ramos.

A organização não governamental Instituto Ambiental Conservacionista 5° Elemento, com sede em Paracambi, também cobra esclarecimentos sobre o aterro. Afirma que esta é uma “alternativa ultrapassada” e defende a instalação de uma usina de lixo e geração de energia. Embora mais cara (cerca de R$ 50 milhões), poderia oferecer empregos dignos para os catadores e aproveitamento do lixo, “em vez de um passivo ambiental”.

“O aterro tem uma vida útil de 20 anos, sendo que precisa ser acompanhado por pelo menos mais 60 anos para termos certeza que não vai poluir nada. Precisaremos de mais recursos e investimentos na gestão. Pesquisamos propostas e achamos que a usina é melhor”, afirmou Márcia Marques, representante da ONG.

Há mais de dez anos trabalhando com saneamento energético, o pesquisador da Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coope) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luciano Basto, também defende as usinas. “Temos que considerar que uma usina de lixo faz parte de centro de tratamento de resíduos que pode incorporar várias coisas: a usina de tratamento de lixo, de separação, de geração elétrica, de geração de adubo”, afirmou. “São várias possibilidades de geração de renda, energia e baixo impacto ambiental”.

Basto explicou que a usina não elimina a necessidade de enterrar resíduos. Mas a quantidade de lixo que será descartada, diminuindo a área do aterro e ampliando de 20 para até 100 anos o período de funcionamento de uma unidade.

A secretária do Ambiente, porém, não descarta que os catadores possam ser incorporados ao projeto do novo aterro. Marilene Ramos defende que esta é “solução econômica mais viável” que não traz riscos ambientais, como temem produtores rurais de Paracambi. “A ideia de fazer usina de lixo, de energia é para regiões com grande quantidade lixo que não têm espaço para os aterros. Não tem cabimento para a região.”

Construção de aterros sanitários é a principal política de gestão de resíduos no Rio

A construção de um aterro sanitário em Paracambi, a 70 quilômetros da capital, para receber 260 toneladas de lixo de cinco municípios é uma das principais iniciativas do programa de erradicação de lixões do governo estadual, que incentiva a implantação dessas unidades pelas prefeituras, de forma consorciada.

Integram o consórcio de Paracambi os municípios Engenheiro Paulo de Frontim, Mendes, Japeri e Queimados, na Baixada Fluminense. O aterro custará ao governo estadual R$ 10,5 milhões está em fase de licitação. A Secretaria Estadual do Ambiente corre para emitir a licença ambiental para a área, com capacidade de funcionar por 20 anos.

Os prefeitos do consórcio de Paracambi assinaram um protocolo de intenção para gerenciar a unidade e discutem agora a divisão dos gastos com a operação do aterro da infraestrutura de acesso ao local. “Vamos ter que ver a passagem de caminhões, áreas de transbordo. Estamos na fase de estatuto”, explicou o secretario de Meio Ambiente do município de Paracambi, José Luiz de Oliveira.

Em contrapartida ao investimento estadual, as prefeitura fluminenses devem disponibilizar o terreno para instalação dos aterros e fechar lixões que funcionam de maneira irregular. De acordo com a Secretaria do Ambiente, o estado tem 40 lixões ilegais nos quais em 19 há catadores de materiais recicláveis em condições de extrema miséria.

Além do consórcio de Paracambi, cujo aterro está em fase de licitação, mais dez estão em andamento, sendo que todos contam com projeto de engenharia para um aterro. Em Vassouras, no interior, uma unidade está sendo construída para receber o lixo produzido nos municípios de Valença, Rio das Flores e Barra do Piraí.

Na região serrana, Teresópolis recebeu sua unidade no ano passado, para ser administrado em consórcio com os municípios Sapucaia, Carmo, Sumidouro e São José do Vale do Rio Preto.

Dados do Ministério das Cidades informam que mais da metade dos 5.563 municípios brasileiros do país não dão destinação correta para o lixo. Em cerca de 30% dos casos, os materiais vão parar em vazadouros a céu aberto e apenas em 1% os resíduos são reciclados.

Reportagem de Isabela Vieira, da Agência Brasil, publicado pelo EcoDebate, 18/05/2010

http://www.ecodebate.com.br/2010/05/18/reportagem-especial-lixao-de-paracambi-meio-seculo-de-problemas-para-populacao-de-municipio-fluminense/