quinta-feira, 21 de julho de 2011

Participação Popular: Socializando o Conhecimento e Rasgando Simbolismos e Maquiagens

Os Conselhos municipais sendo instâncias concebidas para o exercício da cidadania, democracia e justiça social, deveriam ser organismos independentes e autônomos dentro da gestão pública, onde atenderiam sobretudo aos anseios, questionamentos e necessidades de setores da sociedade inseridos no contexto sócio-político. Sim, deveriam, entretanto o abismo entre a realidade e utopia é profundo e os mecanismos existentes para suplantar essas desigualdades não são suficientemente fortes e seguras ao ponto de propiciarem travessia livre de sobressaltos, sendo que tal panorama não é privilégio de município “x”, “y” ou “z”, porém uma situação socioeconômica frágil é fator determinante para que as desigualdades coloquem a classe social dos tomadores das decisões com poderes muito acima da classe operária, comunidades pobres, comunidades quilombolas ou nações indígenas.

Compreender esse emaranhado de mecanismos e estruturas requer uma volta ao passado no ano de 1969, quando foi publicado um artigo intitulado “A Escada da Participação Cidadã” assinado pela ativista pelos direitos civis norte-americana Sherry Arnstein, onde ela expôs em forma de degraus as sucessivas dinâmicas envolvendo a hierarquização de poder na relação entre sociedade versus gestão pública.

É interessante observar que a sucessão de poder e influência da sociedade civil aumenta a medida que “andamos para cima”, começando no nível 1 e terminando no nível 8, seguindo abaixo a análise de cada um desses degraus:

Nível 1 – Manipulação (Não Participação)

Sherryl Arnstein define este degrau como “manipulação travestida de participação”, que pode ser teatralizado quando grupos sociais recebem convites para serem “membros” de comitês ou conselhos sem que exista poder de decisão e tudo gira em torno de técnicos ou gestores que decidem pela sociedade e como prova de uma suposta participação são gerados fotos e filmagens das reuniões. Tudo para provar que houve participação de atores sociais de base. Embuste.

Nível 2 – Terapia (Não Participação)

Parte-se de um pressuposto em que especialistas em diversas áreas tratam cidadãos como “doentes mentais ou desajustados socialmente”, e o instrumento-base são reuniões grupais onde são avaliados e na sequência “cura-los” de suas patologias ao invés de resolver os problemas que os afligem. Teatralização: um grupo de psicólogos, assistentes sociais, antropólogos, sociólogos faz uma reunião com moradores de um bairro que reclamam da pouca atenção destinada a saúde coletiva e os “peritos e técnicos” tratam esses moradores com doses de estatísticas, mapas, gráficos para provarem que eles estão errados e fora da “realidade”. Embuste.

Nível 3 – Informação (Concessão Mínima de Poder)

Dá-se pela mão-única da informação e sempre pela gestão pública para o cidadão sem que exista um canal aberto para o retorno de demandas e tais informações são levadas à público somente em sua fase final sem possibilidades de intervenção ou mudanças e são “vendidas” como “benéficas à sociedade” e por isso devem ser aceitas sem questionamentos. Com freqüência os canais informativos utilizados são jornais, panfletos, cartazes, ou pesquisas de opinião encomendadas. A esmagadora maioria das Audiências Públicas ocorridas na Baixada Fluminense são exemplos clássicos desse comportamento (A Audiência Pública da UTE Barbosa Lima Sobrinho, no bairro Maracanã, Seropédica, foi exatamente assim), onde existe uma exposição técnica de algum empreendimento com uma linguagem inacessível à maioria e perguntas e questionamentos são elaborados por escrito e as respostas são convenientemente evasivas, não-respondidas ou usa-se a mentira para mascarar algo que não convém expor. Não há espaço ou oportunidades para réplicas e tréplicas. A população entra muda e sai calada.

Nível 4 – Consulta (Concessão Mínima de Poder)

É a existência da consulta à população sobre algo que seja do interesse dela, porém sem a integração das garantias de que ela será atendida. Observa-se neste degrau uma preocupação dos tomadores de decisões com dados estatísticos, assinaturas em atas ou livro de registro, questionários respondidos e entregues, além das fotos e entrevistas, como elementos determinantes para o cumprimento de normas burocráticas estabelecidas na gestão pública. Cria-se neste degrau a impressão de que os participantes do processo “estão participando e decidindo”. Só impressão.

São exemplos deste degrau: Audiências Públicas, Conselhos Consultivos, pesquisas de opinião.

Nível 5 – Pacificação (Concessão Mínima de Poder)

Aqui se inicia a caminhada rumo a participação da sociedade nas tomadas de decisões, mesmo que de forma tímida e amarrada aos que detêm o poder, pois é um degrau em que certos “representantes” de grupos sociais são escolhidos a dedo para comporem comitê e conselhos. A particularidade reside no fato de serem minoria dentre os demais membros e em caso de votação sempre serão “voto vencido” ou de pouca influência. Caso clássico é o CONAMA (Conselho Nacional de Meio Ambiente), que possui representantes da sociedade civil com amplo conhecimento técnico, porém minoria na paridade e voto.

Nível 6 – Parceria (Poder Cidadão)

Nível em que ocorre uma redistribuição de poder entre cidadão e setor público em que todos são concordantes em dividir o poder decisório e tudo resultante de intensa negociação. Este nível depende de recursos orçamentários que sejam capazes de suportar uma organização administrativa das comunidades com alocação de recursos financeiros para suprir consultorias jurídicas, perícias e laudos técnicos, ou seja, pagar e/ou contratar profissionais, assim reunindo condições de influenciar, alterar, propor, questionar, interferir no planejamento e execução de projetos ou empreendimentos. É o “entrar na prefeitura com o chapéu na cabeça e não carregando-o na mão”. Um luz no fim do túnel.

Nível 7 – Delegação do Poder (Poder Cidadão)

Diferentemente do nível 6, aqui os comitês e conselhos possuem claramente a maioria dos votos e podem decidir pelo voto e pela valia técnica frente aos governos e trabalha-se a resolução de conflitos na sua forma negociada sem a geração de confrontos ou pressões. Maturidade.

Nível 8 – Controle Cidadão (Poder Cidadão)

O ápice do modelo democrático de fato e de direito, onde se faz jus ao termo “democracia” – governo do povo. Somente nas sociedades socialmente maduras como em certos países europeus e (curiosamente) em algumas comunidades indígenas sul-americas pode-se verificar esta concepção de poder. É a sociedade gerenciando totalmente um programa governamental assumindo responsabilidade na definição das ações e dona de seus destinos segundo sua lista de prioridades.

E aqui na Baixada Fluminense? Qual nosso presente e futuro?

Olhando para nossos modelos políticos de governo e sociedade, nota-se o quão distante estamos do degrau mais alto da participação plena em nossos próprios destinos e não é por obra de um mero acaso que nas camadas mais carentes, pobres, excluídas, necessitadas, que a participação (quando existe) restringe-se aos níveis mais baixos (não-participação). O uso das Audiências Públicas como exemplo freqüente da não participação e da concessão mínima de poder deve-se aos inúmeros empreendimentos de alto impacto ambiental em andamento ou em processo de planejamento na região como o Arco Metropolitano que ligará a Rodovia Rio-Petrópolis (Trecho Caxias) à Rodovia Rio-Santos (Trecho Itaguai), Aterro Sanitário Santa Rosa (Seropédica), Pequena Central Hidrelétrica (PCH) de Paracambi (no Ribeirão das Lajes), Termoelétrica à gás Genpower (Queimados), estaleiro da Marinha (Itaguai), Porto do Sudeste (Itaguai).

Em todas estas intervenções, por força de Lei devem haver Audiências Públicas em quantidades adequadas e proporcionais às dúvidas das populações afetadas, entretanto o que vem ocorrendo é que estas AP’s são meros exercícios do NIVEL 3 e 4, visando criar um cenário de referendamento e aceitação social utilizando-se promessas de geração de empregos, desenvolvimento local, contrapartidas em obras públicas, numa clara conjunção de interesses entre a gestão pública municipal e estadual com a iniciativa privada, excluindo de forma magistralmente arquitetada as bases sociais diretamente impactadas. Em pleno século XXI ainda não evoluímos em bases socialmente sustentáveis para integrarmos a gestão pública com os núcleos vivos da sociedade ocasionando fortes conflitos e tensões entre estes atores que são parte do processo mobilizatório rumo a novos modelos institucionais democráticos.

Percebe-se que na maioria dos conflitos e tensões, suas questões fundamentais e origens estão ligadas e fatores políticos, sócio-econômicos e culturais, e essa problemática não tem como ser resolvida apenas através da adoção e implementação de novas políticas institucionais ou leis. Ao abordar tais problemas verifica-se um profundo desconhecimento e uma visão simplista e distorcida da realidade num contexto mais ampliado. É necessário que na Baixada Fluminense as questões relativas à Participação Popular tenham prioridades na gestão pública e a dinâmica desta implementação deve combinar políticas voltadas principalmente para a construção de uma sociedade sustentável (Leonardo Boff) e a formulação de diretrizes que preservem as bases sócio-culturais dos territórios e populações.

A sociedade contemporânea de maneira geral deve assumir uma posição menos passiva e mais pró-ativa e que as comunidades se organizem e participem do planejamento e tomada de decisão de assuntos referentes ao desenvolvimento de suas aspirações coletivas de acordo com suas listas de prioridades. Este processo deve ser participativo e socializado com discussões abertas e com tolerância, entendimento e respeito à diversidade de pensamentos visando à implementação da “escada da participação popular”, para resguardar, alterar e melhorar a qualidade de vida desta geração e das que estão por vir.

“Dedicação e respeito à todas as formas de vida”.

Yoshiharu Saito

Pres. do Fórum Ecossocial da Baixada Fluminense

Diretor do Instituto Ambiental Conservacionista 5º Elemento

Secretário Nacional de Projetos Ambientais do PMA (Partido do Meio Ambiente)

Secretário Executivo do Fórum Lixo e Cidadania de Nova Iguaçu

Membro do Comitê Guandu (Câmara de Ciência, tecnologia e educação, e Câmara Técnica do Aquifero Piranema)

Membro do Comitê Rio+20 (GT Processo Oficial)

Membro do Conselho Consultivo da Reserva Biológica de Tinguá

Ex-membro do Conselho Gestor da APA Guandu-açu e APA Jaceruba

Ex-membro do Conselho gestor do Parque Natural Municipal de Nova Iguaçu

Ex-membro do COMDEMA (Conselho Municipal de Meio Ambiente – Nova Iguaçu)

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Conselho Municipal de Meio Ambiente: Agite antes de usar.

O que é, para que serve, e por quê existem tantos embates internos se foram concebidos para serem instâncias participativas e democráticas onde a sociedade pode se fazer ouvir, decidir, construir e apontar seus próprios caminhos? São indagações que sempre rondam a mente de numerosos conselheiros e cidadãos que sacrificando seus afazeres diários ajudaram na formação do próprio COMDEMA e Conselhos Gestores das APA’s (Áreas de Proteção Ambiental) municipais, entretanto seus esforços têm sido sistematicamente jogados na lama do descaso, omissão, manipulação, esquecimento, e o mais cruel dos mecanismos pseudo-participativos: o engessamento. Uma concepção que reflete bem a política para o meio ambiente em vários municípios da Baixada Fluminense, e Nova Iguaçu não é exemplo de exceção à regra, infelizmente.

Sem cair na repetição da mera exposição de problemas crônicos, nem de tratá-los como setores cancerígenos da gestão pública, as abordagens e os caminhos devem ser analisados e reconsiderados a partir de uma clara compreensão dos deveres, atribuições e responsabilidades de um Conselho e de seus membros, coisa que no âmbito da municipalidade ainda está muito aquém do mínimo aceitável.

Um Conselho que se diz ou pretende ser sério e verdadeiro é pautado em alguns princípios básicos cujo entendimento claro e direto é premissa para uma gestão integrada cujos objetivos sejam direcionados para mediação de conflitos e construção de propostas e soluções.

São estes princípios: Legalidade, legitimidade e representatividade.

Legalidade: No âmbito dos conselheiros (Lembrando que cada um representa um segmento da sociedade e jamais a si mesmo como veremos a seguir) cada um deve apresentar as documentações exigidas no edital de convocação, sem as quais entende-se que estão em débito ou pendência em alguma instância. São legais as Instituições que possuam CNPJ, Estatuto, Regimento Interno e diretoria formada, com tudo registrado em cartório.

Legitimidade: Este princípio embora simples em seu entendimento pode causar fortes embates dentro de Conselhos, uma vez que cada conselheiro deve ser reconhecido pelos seus pares como aquele atuará em nome de sua instituição, pois caso isto não ocorra corre-se o risco da internalização de discussões alienígenas ao Conselho, por isso recomenda-se que o representante seja escolhido através de pleito ou nomeado pela Presidência de sua Instituição.

Representatividade: Aqui caem as máscaras dos sujos de intenções, exercitadores egocentristas de suas próprias vontades ou pior, os que atendem interesses de terceiros. Nada é mais significativo dentro do direito cidadão do que uma Instituição reconhecida pelos seus semelhantes em suas conquistas, realizações, trabalhos, e atuações. Na construção de Conselhos não são raras as ocasiões em que este princípio foi atropelado e enterrado, trocando-o pela hegemonia político-partidária estabelecida e permeada na municipalidade, onde quem perde sempre serão os que dependem de decisões imparciais, corretas, dignas e livre de subterfúgios – aqui denominados “os que têm sede de democracia*”.

Uma análise crítica sobre a “atuação” do COMDEMA e Conselhos Gestores de Áreas de Preservação na gestão e conscientização de suas responsabilidades com a municipalidade leva-nos a várias indagações, reflexões, cobranças e questionamentos sobre as qualificações e capacitações para a correta administração de nosso frágil meio ambiente em assuntos tão atuais e urgentes como são o planejamento urbano, saneamento ambiental, controle da poluição atmosférica, gestão de recursos hídricos, resíduos urbanos e sua gestão integrada, APP’s (Áreas de Preservação Permanente), zoneamento-ecológico-urbano (Uso e ocupação do solo), recuperação ambiental de áreas degradadas e/ou contaminadas, licenciamentos ambientais, fiscalização do aporte de recursos orçamentários, prevenção e análise de riscos ambientais, gestão integrada dos recursos naturais renováveis ou não, aplicação de sanções aos ilícitos ambientais, etc.

O conjunto de atribuições e responsabilidades de um COMDEMA não pode girar eternamente na discussão de um regimento interno ou questionando-se mutuamente sobre inclusão ou exclusão de membro A, B ou C, comportamentos estes que vêm se arrastando desde 1999 e sendo reeditado a cada “nova” composição, subtraindo assim preciosos momentos para debruçarem-se nas especialidades acima expostas.

À todos os Conselheiros: Que ouçam o clamor da Sociedade por Justiça e Equidade Ambiental e façam valer seus mandatos (de dois anos) para atender às acima mencionadas demandas e não percam tempo e energia ocupando espaços e cargos de forma egoísta, arrogante, prepotente e vazio de objetivos, nem arbitrando em prol de interesses nebulosos e obscuros, afinal, crime ambiental não prescreve e a responsabilidade é solidária.

O COMDEMA deve ser científico e popular, centrado e especializado, interdisciplinar e coeso, independente e ético, e estes serão os verdadeiros atributos para necessidades da Sociedade e do Meio Ambiente no século 21, unido o ecológico, científico, econômico e o político, sem que uma pise na outra.

Yoshiharu Saito