segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Resíduos sólidos: COPPE avalia gestão no Rio

Do Planeta Coppe – De 15 mil toneladas de resíduos sólidos coletados no estado do Rio de Janeiro, apenas 8% são selecionados para reciclagem. E desse reduzido percentual, somente 4% conseguem ser reaproveitados pela indústria. De acordo com a tese de doutorado defendida na Coppe pelo pesquisador Cícero Pimenteira, com uma melhor gestão pública e tecnologias disponíveis, hoje, 80% do material destinado para a reciclagem poderiam ser reaproveitados na indústria, reduzindo prejuízos econômicos e passivos ambientais.

A má gestão e, no caso de alguns municípios, a falta de recursos para o orçamento aplicado na limpeza pública acarretam prejuízos ambientais e econômicos, podendo resultar em problemas de saúde, como, por exemplo, epidemias de dengue e leptospirose. “A quantia que o governo deixou de aplicar em limpeza pública provavelmente terá de ser gasta em ações emergenciais, tanto em saúde como em obras de contingenciamento. Em geral, os prejuízos são bem maiores”, adverte o pesquisador, que cita a tragédia ocorrida recentemente no Morro do Bumba, em Niterói, onde os moradores ocuparam o terreno de um lixão com a anuência da prefeitura.

No estudo que desenvolveu durante quatro anos para a tese de doutorado defendida no Programa de Planejamento Energético da Coppe, sob a orientação do professor Luiz Pinguelli Rosa, Cícero avaliou as ações dos gestores de resíduos sólidos de 19 municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro e o impacto de suas decisões sobre outros setores da sociedade. Foram analisadas ações de médio e longo prazo propostas por municípios e avaliado como as decisões tomadas por gestores de políticas públicas no setor impactam a destinação dos gastos públicos empregados na gestão de resíduos sólidos.

Como parte do estudo, Cícero também avaliou as propostas para a substituição do aterro de Gramacho, que recebe, diariamente, 8 mil toneladas de lixo, somente do Rio de Janeiro, fora outros municípios, e encontra-se em processo de encerramento. Uma das alternativas propostas para substituir Gramacho é instalar um aterro em Seropédica, município da região metropolitana do Rio.

Para o pesquisador, a transferência da disposição final de resíduos para o município de Seropédica é um equívoco, um erro no planejamento estratégico do estado no médio e longo prazo. “O local proposto está situado sobre o aquífero Piranema e próximo ao rio Guandu, que é responsável pelo abastecimento de água do Rio de Janeiro. O risco de contaminação é muito alto”, adverte o pesquisador. Segundo Cícero, a escolha de Seropédica também é um erro em termos de planejamento estratégico de longo prazo, se consideradas as condições físicas da região. O aterro de Gramacho já atingiu o seu limite. “É necessário um substituto imediato, mas, estrategicamente, é um equívoco em termos de planejamento e de risco ambiental”, critica.

Outro problema identificado durante a pesquisa é de capacitação técnica dos responsáveis pela gestão. “Muitas das prefeituras não dispõem de corpo técnico capacitado para tomar decisões acertadas. O que percebemos é que geralmente os gestores não sabem interpretar ou não analisam com qualidade todas as informações disponíveis”, acrescenta.

Por essa razão, Cícero insiste na qualificação continuada dos gestores de resíduos sólidos. Para ele, não se pode pensar a gestão apenas buscando tecnologias de melhor aproveitamento dos resíduos, sem preparar as pessoas responsáveis para a coordenação dessas ações. “Hoje, não entendemos como foi possível instalar o aterro de Gramacho em cima de um manguezal, mas discute-se a implantação de um aterro sobre um aquífero que poderá suprir o abastecimento de água para o estado. As consequências podem ser desastrosas”, alerta Cícero.

Dados diferentes – Para realização da pesquisa, Cícero elaborou um questionário que foi submetido a gestores de resíduos sólidos de 19 municípios da região metropolitana do Rio, que representam cerca de 80% da população do estado.

“Constatei nas respostas uma grande diferença entre os dados e resultados das estatísticas oficiais e a percepção dos gestores em relação ao trabalho. Muitos gestores, por exemplo, avaliaram de forma positiva os recursos disponíveis e a qualidade dos serviços, contrariando a avaliação do IBGE e do PNUD, que os consideram abaixo da média”, revela.

Para processar as informações coletadas durante a pesquisa e compará-las com dados de institutos de pesquisa oficiais, o pesquisador lançou mão da lógica fuzzy, uma sofisticada ferramenta de modelagem que contempla variáveis quantitativas e qualitativas, como volume de matéria orgânica e inorgânica, lixo per capita, orçamento municipal destinado à gestão de resíduos sólidos, tratamentos de disposição final do lixo empregados pelas prefeituras, coleta seletiva e reciclagem.

Segundo Cícero, a sociedade necessita de novas formas de consumo menos intensivas de recursos. “Toda a pesquisa que envolve análise de resíduos gerados pela sociedade direciona para uma necessidade de mudança no padrão de consumo. Reduzir o volume de lixo depende de uma maior capacitação técnica daqueles que administram os recursos públicos relativos à gestão dos resíduos sólidos”, acredita.A pesquisa de campo foi realizada no Instituto Virtual de Mudanças Globais (Ivig) da Coppe e teve apoio do projeto Impactos Sociais de Políticas Públicas Relacionadas a Serviços de Saúde (Soci-Água), financiado pela Finep.


Fonte: http://www.ambienteenergia.com.br/index.php/2011/01/residuos-solidos-coppe-avalia-gestao-no-rio/8895

sábado, 22 de janeiro de 2011

Tinguá é sustentável?

Água, transparente, líquida

Em ti habita, cristalina vida

Água das fontes, ribeirões, riachos

Tua alma, clara, translúcida

Vitifica o ventre virente das matas

Faz que floresça a vida na Terra,

Sequiosa de amor.

Verso de Márcio Castro das Mercês – Analista Ambiental ICMBio, lotado na Reserva Biológica de Tinguá (Rj)


Aquecimento global, desertificação, esgotamento dos recursos naturais, buraco na camada de ozônio, desmatamento, crise mundial da água, disposição inadequada de resíduos, poluição atmosférica, contaminação de corpos d’água, mudanças climáticas, chuva ácida, eutrofização.

A sociedade humana através dos tempos e de sua natural evolução sempre se comportou de forma predatória e antropocêntrica, pouco ou nada se importando com as necessidades de outras formas de vida que igualmente compartilham este diminuto ponto azul perdido na imensidão universal.

O planeta Terra ao longo de sua existência já testemunhou várias extinções em massa, porém o caminhar dos modelos produtivos ambientalmente insustentáveis apontam para um futuro em que seremos os primeiros e últimos a promover conscientemente nosso próprio extermínio como seres vivos, com a agravante de levarmos toda uma biodiversidade para o mesmo holocausto planetário.

Qual outro ponto no espaço que propicia as condições necessárias para que a vida tal qual a conhecemos, emerga?

Por demais sombrio o panorama futuro que nos é desenhado? Mais um exercício de “ecoterrorismo-fundamentalista” como tantos outros que nos assolam diariamente? Ou um clamor silencioso; gritos de socorro frente aos descalabros de um modelo ensandecido de consumo baseado no ideário da economia clássica cuja boca consome de tudo não importando a procedência e defecando em tudo e todos não se importando com a ética ambiental para as gerações presentes e futuras?

Até o ano de 2020 estaremos na “década da água”, que segundo a ONU é um recurso natural cujo acesso deve ser prioritariamente para o ser humano, embora saibamos que 70% de toda água potável é destinada aos grandes empreendimentos agropecuários das commodities, 20% para as indústrias e corporações e somente 10% tem sido usado para consumo humano. Em vários pontos do planeta já ocorrem sérios conflitos sociais e bélicos pelo acesso e posse das fontes deste que já é conhecido como “ouro azul” do séc. XXI – água, o elemento fundamental da vida; indispensável às atividades humanas, à fauna e à flora do planeta, mas a crescente expansão demográfica e industrial comprometeu a quantidade e a qualidade da água disponível na natureza.

Alguns dados oficiais ONU/UNESCO:

- 1,6 milhões de pessoas morrem por falta de água potável todos os anos, a maioria crianças menores de 5 anos;

- 4.200 crianças morrem todos os dias por falta de água;

- 900.000.000 de pessoas não tem acesso à água, sendo que 125.000.000 crianças até 5 anos vivem em lares sem água;

- Em 2030, 67% da população mundial não terá acesso à água;

- 80% das doenças em países em desenvolvimento são de veiculação hídrica;

- US$ 38 bilhões/ano seria a quantia poupada se houvesse uma correta gestão da água.

A quantidade de água necessária para o sustento da vida, apenas, é relativamente pouca. Mas mesmo nas sociedades mais simples as pessoas precisam de uma quantidade adicional de água para se lavar, preparar alimentos, etc. Nos tempos passados, o consumo “per capita” diário, considerando todos os usos, inclusive a água de beber, era de aprox.12/20 litros. Atualmente, o consumo doméstico “per capita” é de aproximadamente 300 litros por dia. Computados todos os fatores de produção (uso doméstico, irrigação, industrial, na agricultura, etc.) o consumo gira ao redor de 15.000 litros por pessoa por dia. A demanda de água cresce com o aumento de população e com a melhoria do padrão de vida.

Porém ao analisarmos os mecanismos na gestão hídrica implementados em vários pontos do mundo notaremos que nem sempre a simples valoração ou precificação da água não é considerada uma ferramenta eficiente no controle da demanda pela população, tampouco a eterna discussão entre os modelos privados e públicos de gestão nos dão as certezas necessárias para que este recurso natural seja distribuído de forma correta, observando-se as especificidades na execução das políticas públicas afins.

“Tinguá é sustentável”? Neste ponto devemos pausar nossa leitura para analisarmos o significado de “sustentabilidade” e como este termo pode ser aplicado de forma correta ou não no contexto apresentado. Vejamos: Sustentabilidade remete-nos ao tripé social-ambiental-econômico, sem os quais qualquer atividade humana teria (em tese) pouca ou nenhuma consistência e solidez; daí a derivação “desenvolvimento sustentável”*, que em si é absolutamente contraditório visto que “desenvolvimento” implica em escala produtiva, enquanto “sustentável” significa pôr limites na demanda produtiva, e uma das principais evoluções conceituais conquistadas pelo ativismo sócioambiental nos últimos anos é justamente a correção do tripé clássico para “social-ambiental-ético”, entendendo que o econômico está incluso nas metas sociais.

*Definição segundo o relatório Brundtlandt (Nosso futuro comum), em 1987: “Desenvolvimento sustentável é aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras de atenderem às suas próprias necessidades”.

Numa civilização totalmente mergulhada numa crise ética-moral sem precedentes, o questionamento proposto leva-nos a refletir segundo uma abordagem não-tradicional, ou seja, que não coloca o meio ambiente ou o ser humano como elemento focal, como fazemos corriqueiramente, tampouco a ótica dos preservacionistas ou dos empreendedores predatórios. O foco é dirigido e regido dentro da complexidade no uso e apropriação dos recursos naturais como veículo externalizador de nossas vaidades e arrogânicas.

Onde existe o fato e o direito de apropriarmo-nos da natureza sem uma ética de valores coerente? Será em virtude das argumentações de que poderíamos ter uma melhor representação da dualidade sociedade/natureza de acordo com as normas ditadas por especialistas? Normas estas destinadas a quem e por quê? Como construir uma realidade que não seja tão conflitante com as demandas mundiais pela água onde um uso sempre excluirá outro?

Quais os limites na perpetuação deste ícone da vaidade e arrogância humana?

Deixo-lhes a discussão e as reflexões no confronto de nossas realidades com as necessidades do planeta Terra na busca pelas respostas. Uma construção baseada em novas posturas éticas em relação ao meio ambiente caracterizada pelo desafio de uma responsabilidade tanto individual quanto coletiva, respeitando os que ainda não estão neste plano material e a todas as formas de vida que igualmente compartilham nosso finito mundo azul.

Yoshiharu Saito

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

CARTA ABERTA AOS AMBIENTALISTAS

Caros Ambientalistas,

Com satisfação e com uma proposta de mudança da situação atual comunicamos o lançamento da candidatura da ASSOCIAÇÃO ECOCIDADE à uma das vaga das entidades ambientalistas da Região Sudeste.no CONAMA.

A candidatura da ASSOCIAÇÃO ECOCIDADE representa o debate de entidades do Rio de Janeiro através do coletivo da APEDEMA/RJ, bem como significa ainda uma parceria com a ASSOCIAÇÃO ECOJURÉIA, que atualmente ocupa o cargo de entidade titular do CONAMA pela Região Sudeste e está apoiando a nossa candidatura, abrindo mão de concorrer à reeleição em nome da proposta e do coletivo.

O debate ora instalado culminou com uma candidatura que tem em sua legenda entidades do RJ, SP, MG e ES, isto é, a ASSOCIAÇÃO ECOCIDADE, uma vez eleita indicará representantes dos Estados da Região Sudeste em sua designação, na demonstração de uma candidatura coletiva da Região no CONAMA através de uma representação de fato e não só de direito. Temas do Estado de São Paulo serão tratados pelo conselheiro da ASSOCIAÇÃO ECOCIDADE indicado pelas entidades de São Paulo garantindo a qualidade do debate e da representação.

A proposta é a pro-atividade como ferramenta de mudança. Vimos nos últimos anos que o CONAMA foi utilizado para flexibilização da legislação ambiental, isso deve acabar! Não basta mais a trincheira da oposição é necessário sermos propositivos nos temas que defendemos de forma a instrumentalizarmos o debate, sempre articulado com os demais movimentos socioambientais.

Outra questão que foi ficando de lado no CONAMA nos últimos anos e o seu caráter fiscalizatório, que praticamente não ocorre mais. Está também é uma bandeira: tornar o conselho novamente uma entidade fiscalizatório federativa na área ambiental

A ASSOCIAÇÃO ECOCIDADE participou, através da APEDEMA/RJ dos debates sobre as mudanças nas duas últimas COPs - Copenhagen (Cop 15) Cacun (Cop 16) - atua no Conselho Estadual de Meio Ambientes do Estado do Rio de Janeiro e em comitês de Bacia no Estado, isto é, estamos inseridos no debate ambiental como um todo e nos sentimos aptos a assumir esta tarefa.
Estamos cientes do enorme desafio, sobretudo na atual conjuntura ambiental do País, onde o crescimento econômico é a mola mestre do desenvolvimento, mas consideramos que o CONAMA é uma ferramenta para debater as políticas públicas na área socioambiental e devemos manter e ampliar esta ferramenta.
Convidamos você ativista ambiental para compartilhar deste mandato, VOTE, CONFIE e AMPLIE sua participação através de uma proposta participativa para as ONG’s de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais.

Para conhecer melhor sobre nossa linha de atuação e propostas, acesse o link de nosso site:
www.ecocidade.org.br

Colocamo-nos à disposição pelo celular 21 9236-9540 e e-mail: ecocidade@ecocidade.org.br

Contamos com seu voto e participação!

Um forte abraço
Associação Ecocidade

O preço de não escutar a natureza











Por Leonardo Boff*

Só controlamos a natureza na medida em que lhe obedecemos e soubermos escutar suas mensagens e ler seus sinais.

O cataclisma ambiental, social e humano que se abateu sobre as três cidades serranas do estado do Rio de Janeiro, Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo, na segunda semana de janeiro, com centenas de mortos, destruição de regiões inteiras e um incomensurável sofrimento dos que perderam familiares, casas e todos os haveres tem como causa mais imediata as chuvas torrenciais, próprias do verão, a configuração geofísica das montanhas, com pouca capa de solo sobre o qual cresce exuberante floresta subtropical, assentada sobre imensas rochas lisas que por causa da infiltração das águas e o peso da vegetação provocam frequentemente deslizamentos fatais.

Culpam-se pessoas que ocuparam áreas de risco, incriminam-se políticos corruptos que distribuíram terrenos perigosos a pobres, critica-se o poder público que se mostrou leniente e não fez obras de prevenção, por não serem visíveis e não angariarem votos. Nisso tudo há muita verdade. Mas nisso não reside a causa principal desta tragédia avassaladora.

A causa principal deriva do modo como costumamos tratar a natureza. Ela é generosa para conosco, pois nos oferece tudo o que precisamos para viver. Mas nós, em contrapartida, a consideramos como um objeto qualquer, entregue ao nosso bel-prazer, sem nenhum sentido de responsabilidade pela sua preservação, nem lhe damos alguma retribuição. Ao contrario, tratamo-la com violência, depredamo-la, arrancando tudo o que podemos dela para nosso benefício. E ainda a transformamos numa imensa lixeira de nossos dejetos.

Pior ainda: nós não conhecemos sua natureza e sua história. Somos analfabetos e ignorantes da história que se realizou nos nossos lugares no percurso de milhares e milhares de anos. Não nos preocupamos em conhecer a flora e a fauna, as montanhas, os rios, as paisagens, as pessoas significativas que ai viveram, artistas, poetas, governantes, sábios e construtores.

Somos, em grande parte, ainda devedores do espírito científico moderno que identifica a realidade com seus aspectos meramente materiais e mecanicistas sem incluir nela a vida, a consciência e a comunhão íntima com as coisas que os poetas, músicos e artistas nos evocam em suas magníficas obras. O universo e a natureza possuem história. Ela está sendo contada pelas estrelas, pela Terra, pelo afloramento e elevação das montanhas, pelos animais, pelas florestas e pelos rios. Nossa tarefa é saber escutar e interpretar as mensagens que eles nos mandam. Os povos originários sabiam captar cada movimento das nuvens, o sentido dos ventos e sabiam quando vinham ou não trombas d’água. Chico Mendes com quem participei de longas penetrações na floresta amazônica do Acre sabia interpretar cada ruído da selva, ler sinais da passagem de onças nas folhas do chão e, com o ouvido colado ao chão, sabia a direção em que ia a manada de perigosos porcos selvagens. Nós desaprendemos tudo isso. Com o recurso das ciências lemos a história inscrita nas camadas de cada ser. Mas esse conhecimento não entrou nos currículos escolares nem se transformou em cultura geral. Antes, virou técnica para dominar a natureza e acumular.

No caso das cidades serranas: é natural que haja chuvas torrenciais no verão. Sempre podem ocorrer desmoronamentos de encostas. Sabemos que já se instalou o aquecimento global que torna os eventos extremos mais freqüentes e mais densos. Conhecemos os vales profundos e os riachos que correm neles. Mas não escutamos a mensagem que eles nos enviam que é: não construir casas nas encostas; não morar perto do rio e preservar zelosamente a mata ciliar. O rio possui dois leitos: um normal, menor, pelo qual fluem as águas correntes e outro maior que dá vazão às grandes águas das chuvas torrenciais. Nesta parte não se pode construir e morar.

Estamos pagando alto preço pelo nosso descaso e pela dizimação da mata atlântica que equilibrava o regime das chuvas. O que se impõe agora é escutar a natureza e fazer obras preventivas que respeitem o modo de ser de cada encosta, de cada vale e de cada rio.

Só controlamos a natureza na medida em que lhe obedecemos e soubermos escutar suas mensagens e ler seus sinais. Caso contrário teremos que contar com tragédias fatais evitáveis.

*Leonardo Boff é filósofo e teólogo.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A (In)Justiça do Lixo

O panorama social e ambiental presente e futuro de nossa Baixada Fluminense podem tomar rumos diversos de acordo com as aspirações dos setores públicos e privados, e isto seria excelente se houvessem o respeito e dedicação às demandas de nossa população, porém assistimos o desenrolar de uma tragédia anunciada com forte tendência a atos de segregação, injustiça e separatismo ambiental com suas nefastas consequências e impactos no combalido sistema público de saúde, tais como o recrudescimento de fatores biológicos (Vetores) e doenças reemergentes de alto risco.

Os mecanismos que legitimam e perpetram esses desequilíbrios sócioambientais possuem origem nos modelos estabelecidos na gestão pública, onde a população alijada e subtraída de seus direitos básicos no acesso digno aos serviços essenciais como saneamento, educação e fornecimento de água, desconhecem como poderiam intervir e alterar a malignidade dos setores que historicamente se beneficiaram desses modelos excludentes e injustos.

Em parcos 10 anos, todo território da Baixada Fluminense vem sendo ocupado predatóriamente por atividades que não possuem tradição na pacífica coexistência dentro de suas áreas de influência direta e indireta, tendo como ícone supremo a atual CSA (Companhia Siderúrgica do Atlântico), instalada às margens da Baía de Sepetiba e do rio Guandu, cujas emissões criminosas de materiais particulados na atmosfera colocam em risco ambiental-sanitário toda a população do entorno e ameaça ferozmente o ecossistema da baía e dos que dele dependem para sua sobrevivência. Sendo esta atividade industrial somente uma dentre centenas de outras perigosamente poluidoras, como o futuro aterro sanitário de Seropédica.

"A (in)justiça do lixo". Este deveria ser o título de mais um capítulo do arquivo destinado ao racismo e injustiça ambiental gerenciado pelo governo estadual através da SEA (Secretaria Estadual de Ambiente) e de seu órgão licenciador, o INEA (Instituto Estadual do Ambiente), que vislumbraram a possibilidade de desativar o vergonhoso e criminoso lixão de Gramacho transferindo para Seropédica um problema travestido de solução de alta tecnologia. Como sempre, nada mais oportuno e mentiroso, cuja verdade dos fatos expõe o pensamento das elites governamentais para com os habitantes dos municípios menos aparelhados em educação, saúde e macroestrutura cidadã, imputando-lhes a responsabilidade de arcar com a sujeira alheia com a desumana e sádica agravante de colocar em risco todo aquífero Seropédica e o sistema Guandu de abastecimento público de água.

No ano de 1998, algumas redes de justiça ambiental (Southheast Regional Economic Justice Network, Southern Organization Commitee, Southwest Public Workers Union, Environmental and Economic Justice Project, Cordillera People's Alliance) participaram de um encontro no campus da UFRJ (Praia vermelha) que culminou no 1º Seminário Internacional de Justiça Ambiental. Deste evento pode se destacar a conceituação para "Justiça Ambiental", transcrito em sua íntegra:

Designa-se Justiça Ambiental o conjunto de princípios e práticas que:

- Assegurem que nenhum grupo social, seja étnico, racial ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de operações econômicas, decisões de políticas e programas federais, estaduais, locais, assim como da ausência ou omissão de tais políticas;
- Asseguram acesso justo e equitativo, direto e indireto, aos recursos ambientais do país;
- Assegurem amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos ambientais, a destinação de rejeitos e a localização de fontes de riscos ambientais, bem como processos democráticos e participativos na definição de políticas, planos, programas e projetos que lhes dizem respeito;
- Favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direito, movimentos sociais e organizações populares para serem protagonistas na construção de modelos alternativos de desenvolvimento que assegurem a democratização do acesso aos recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso.

Na ocasião também definiu-se o termo "Injustiça Ambiental" como:

"O mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômmico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixaa renda, aos grupos raciais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e vulneráveis"

Impossível não contextualizar as definições acima com o empreendimento de um aterro sanitário privado, de uma siderúrgica e o comportamento dos gestores públicos envolvidos.

As situações dramáticas vividas por estas populações remetem-nos à nossa Constituição, que em seu artigo 225. diz que:

“Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”

A Sociedade entende plenamente todo conteúdo deste direito e constantemente temos atuado para que cumpra-se o que prevê nossa Constituição, no entanto é justamente quando os gestores públicos assumem sua parte nos processos cidadãos, que os maiores ataques ao citado direito ocorrem. Um direito que nos é extremamente dispendioso, sofrido e cada vez mais raro.

Nosso posicionamento como um coletivo organizado de caráter socioambiental é pela construção de modelos públicos de gestão social e ambiental condizentes com os modelos de sustentabilidade cujos processos sociais e tecnológicos contemplem as várias instâncias e atores envolvidos e sua real participação como elementos deliberativos, não ficando restritos tão somente à ditadura do “participativo”, sem o poder decisório.

Por uma ética de valores fundamentada no respeito e dedicação à todas as formas de vida.

Yoshiharu Saito