quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A (In)Justiça do Lixo

O panorama social e ambiental presente e futuro de nossa Baixada Fluminense podem tomar rumos diversos de acordo com as aspirações dos setores públicos e privados, e isto seria excelente se houvessem o respeito e dedicação às demandas de nossa população, porém assistimos o desenrolar de uma tragédia anunciada com forte tendência a atos de segregação, injustiça e separatismo ambiental com suas nefastas consequências e impactos no combalido sistema público de saúde, tais como o recrudescimento de fatores biológicos (Vetores) e doenças reemergentes de alto risco.

Os mecanismos que legitimam e perpetram esses desequilíbrios sócioambientais possuem origem nos modelos estabelecidos na gestão pública, onde a população alijada e subtraída de seus direitos básicos no acesso digno aos serviços essenciais como saneamento, educação e fornecimento de água, desconhecem como poderiam intervir e alterar a malignidade dos setores que historicamente se beneficiaram desses modelos excludentes e injustos.

Em parcos 10 anos, todo território da Baixada Fluminense vem sendo ocupado predatóriamente por atividades que não possuem tradição na pacífica coexistência dentro de suas áreas de influência direta e indireta, tendo como ícone supremo a atual CSA (Companhia Siderúrgica do Atlântico), instalada às margens da Baía de Sepetiba e do rio Guandu, cujas emissões criminosas de materiais particulados na atmosfera colocam em risco ambiental-sanitário toda a população do entorno e ameaça ferozmente o ecossistema da baía e dos que dele dependem para sua sobrevivência. Sendo esta atividade industrial somente uma dentre centenas de outras perigosamente poluidoras, como o futuro aterro sanitário de Seropédica.

"A (in)justiça do lixo". Este deveria ser o título de mais um capítulo do arquivo destinado ao racismo e injustiça ambiental gerenciado pelo governo estadual através da SEA (Secretaria Estadual de Ambiente) e de seu órgão licenciador, o INEA (Instituto Estadual do Ambiente), que vislumbraram a possibilidade de desativar o vergonhoso e criminoso lixão de Gramacho transferindo para Seropédica um problema travestido de solução de alta tecnologia. Como sempre, nada mais oportuno e mentiroso, cuja verdade dos fatos expõe o pensamento das elites governamentais para com os habitantes dos municípios menos aparelhados em educação, saúde e macroestrutura cidadã, imputando-lhes a responsabilidade de arcar com a sujeira alheia com a desumana e sádica agravante de colocar em risco todo aquífero Seropédica e o sistema Guandu de abastecimento público de água.

No ano de 1998, algumas redes de justiça ambiental (Southheast Regional Economic Justice Network, Southern Organization Commitee, Southwest Public Workers Union, Environmental and Economic Justice Project, Cordillera People's Alliance) participaram de um encontro no campus da UFRJ (Praia vermelha) que culminou no 1º Seminário Internacional de Justiça Ambiental. Deste evento pode se destacar a conceituação para "Justiça Ambiental", transcrito em sua íntegra:

Designa-se Justiça Ambiental o conjunto de princípios e práticas que:

- Assegurem que nenhum grupo social, seja étnico, racial ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de operações econômicas, decisões de políticas e programas federais, estaduais, locais, assim como da ausência ou omissão de tais políticas;
- Asseguram acesso justo e equitativo, direto e indireto, aos recursos ambientais do país;
- Assegurem amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos ambientais, a destinação de rejeitos e a localização de fontes de riscos ambientais, bem como processos democráticos e participativos na definição de políticas, planos, programas e projetos que lhes dizem respeito;
- Favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direito, movimentos sociais e organizações populares para serem protagonistas na construção de modelos alternativos de desenvolvimento que assegurem a democratização do acesso aos recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso.

Na ocasião também definiu-se o termo "Injustiça Ambiental" como:

"O mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômmico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixaa renda, aos grupos raciais discriminados, aos povos étnicos tradicionais, aos bairros operários, às populações marginalizadas e vulneráveis"

Impossível não contextualizar as definições acima com o empreendimento de um aterro sanitário privado, de uma siderúrgica e o comportamento dos gestores públicos envolvidos.

As situações dramáticas vividas por estas populações remetem-nos à nossa Constituição, que em seu artigo 225. diz que:

“Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”

A Sociedade entende plenamente todo conteúdo deste direito e constantemente temos atuado para que cumpra-se o que prevê nossa Constituição, no entanto é justamente quando os gestores públicos assumem sua parte nos processos cidadãos, que os maiores ataques ao citado direito ocorrem. Um direito que nos é extremamente dispendioso, sofrido e cada vez mais raro.

Nosso posicionamento como um coletivo organizado de caráter socioambiental é pela construção de modelos públicos de gestão social e ambiental condizentes com os modelos de sustentabilidade cujos processos sociais e tecnológicos contemplem as várias instâncias e atores envolvidos e sua real participação como elementos deliberativos, não ficando restritos tão somente à ditadura do “participativo”, sem o poder decisório.

Por uma ética de valores fundamentada no respeito e dedicação à todas as formas de vida.

Yoshiharu Saito

Nenhum comentário:

Postar um comentário