quarta-feira, 8 de abril de 2009

MANIFESTO ECO-SOCIALISTA CAIÇARA


MANIFESTO ECO-SOCIALISTA CAIÇARA
Canção Caiçara
“De onde vens, patrício, camarada, amigo?
Salta da canoa, vem pousar em paz.
És dos Alcatrazes ou do Bom Abrigo?
De uma das Queimadas ou dos Sanzalás?
Vens de Vila Bela, do Montão de Trigo?
Vais a Cananéia, vais aos Craguatás?
Venhas de onde vieres, com prazer te sigo,
Vás para onde fores, tu comigo irás.
É que em toda costa, paulistanamente,
Há uma só família, de tão boa gente,
Que em qualquer momento teu irmão sou eu.
Sem saber teu nome, dou-te o meu afeto,
E, no comunismo do meu pobre teto,
A farinha é tua, todo o peixe é teu.”
Martins Fontes.

Considerando que o planeta Terra se formou há quatro bilhões e seiscentos milhões
de anos atrás;
Considerando que a vida surgiu no planeta há pelo menos três bilhões e quinhentos
milhões de anos;
Considerando que o primeiro hominídeo surgiu há aproximadamente quatro milhões
de anos;
Considerando que o Homo Sapiens Sapiens apareceu no mundo há pelo menos cem
mil anos atrás;
Considerando que há indícios que a ocupação humana nas Américas remonta há pelo
menos cinqüenta mil anos;
Considerando que a primeira Revolução Agrícola ocorreu há cerca de dez mil anos;
Considerando que a primeira grande civilização americana surgiu há pelo menos três
mil anos atrás;
Considerando que os colonizadores europeus desembarcaram nas terras, que
atualmente denominamos Brasil, há pelo menos quinhentos anos;
Considerando o genocídio praticado por esses colonizadores quando chegaram à terra,
mais tarde, por eles denominada de Brasil e encontraram povos nativos, com no mínimo dez
milhões de pessoas e os dizimaram, restando, hoje, pouco mais de trezentos mil pessoas;
Considerando que a escravidão negra durou mais de trezentos anos, de 1550 até 1888,
sendo trazidos à força para o Brasil quatro milhões e quinhentos mil africanos;
Considerando que os Guaranis denominam de Pindorama a esta terra, que hoje
denominamos de Brasil;
Considerando que os Tupinambás denominavam Ibirapitanga, à planta que mais tarde
os europeus vieram a chamar de Pau-brasil;
Considerando que, hoje, somos os povos que habitam a mata atlântica, que os Tupis
chamam de Caá Etê;
Considerando que os peabirús (caminhos na mata), feitos pelos povos que aqui já
viviam, é que foram responsáveis pelo aparecimento dos nossos povoados;
Considerando que a língua oficialmente falada no Brasil até pelo menos cento e
cinqüenta anos atrás, era a língua franca Tupi, o Nhangatú;
Considerando que os Tupis e Guaranis chamavam a esses povos que vinham de fora
de Juruá;
Considerando que nós somos o povo a que os Tupis e Guaranis chamavam de
Caiçaras;
Respeitando todas as confissões de fé, filosofias e doutrinas religiosas que visem o
bem da humanidade e comprometidos com a liberdade de culto;
Pedindo a licença de Anhangá, de Jurupari, de Ypupiara;
Pedindo a proteção de Iemanjá, de São Sebastião, de São Vicente e de Todos os
Santos;
Pedindo as bençãos do Bom Jesus de Iguape, de Nhanderu e de Tupã;
Nós, Caiçaras, Socialistas e Ambientalistas reunidos na cidade de Santos, em 06 de
junho de 2004, lançamos o manifesto intitulado: Manifesto Eco-socialista Caiçara.

1- Pensamos que o eco-socialismo é uma doutrina filosófica e política, uma utopia
em permanente construção. É, também, um movimento internacional que se
insere na herança da tradição histórica da esquerda mundial.
2- Entendemos que o ser, a existência humana e o mundo nos colocam diversas
questões, de ordem filosófica e prática, que são bastante abrangentes e profundas
para toda humanidade. Sustentamos que o capitalismo não foi e nem é suficiente
para resolução desses problemas, muitas vezes causando outros ainda mais
graves.
3- Afirmamos que capitalismo e desenvolvimento ambientalmente sustentável são
incompatíveis. A preocupação com o enriquecimento, inerente à lógica do
mercado e do lucro, é a grande causa da atual degradação ambiental do planeta, e
deveria deixar de constituir a base dos valores da humanidade. A separação entre
o homem e a terra está na origem e no cerne da sociedade capitalista. Só assim
foi possível a mercantilização dos homens e da natureza. A lógica do mercado,
que pressupõe a divisão do trabalho, levou a uma especialização da produção e
do conhecimento. A lógica da concorrência impôs ritmos intensos ao processo
produtivo, incompatível com os fluxos de matéria e energia de cada ecossistema,
com os ritmos das pessoas, da vida, de cada povo e de cada cultura.
4- Pensamos que há a necessidade de uma nova visão do ser, da existência e do
mundo, porque a maior parte dos conceitos elaborados pela sociedade moderna
resultaram em grandes problemas e conflitos não resolvidos, que segundo a nossa
ótica, tendem a se agravar ainda mais. Os modelos existentes não são suficientes
para solucioná-los. Necessitamos de novos paradigmas, que se transformem em
novos marcos referenciais para nossa civilização.
5- Entendemos, por estas razões, que há a necessidade de um novo projeto político e
social, que seja mundial e que apresente uma visão sistêmica do conjunto das
estruturas e dos processos envolvidos.
6- Defendemos a humanidade, a natureza e a vida, em quaisquer de suas formas e, o
planeta em que vivemos e o respeito pelo universo e o cosmos.
7- Identificamo-nos com valores das tradições humanista, socialista e ambientalista.
8- Defendemos a ampliação e o aprofundamento da discussão sobre democracia,
cidadania e civilização como conceitos essenciais para o projeto social da
Modernidade, e para o aperfeiçoamento das relações sociais e antropológicas da
humanidade.
9- Acreditamos na possibilidade de desenvolvimento pleno do ser humano e de sua
auto-realização, sem que seja necessária a destruição da natureza.
10-Propomos relações mais harmoniosas entre o homem e a natureza, não
acreditando em conceitos de dominação ou de centralização nessas relações.
11-Entendemos que a espécie humana é parte da própria natureza, assim como, a
natureza também participa de todos nós, humanos.
12-Professamos o socialismo, enquanto utopia realizável, que pregue: a justiça
social e ambiental; a superação das desigualdades sociais e de direitos; a
possibilidade da libertação humana das relações de dominação e de exploração; a
defesa dos direitos humanos; o respeito às diferenças; o direito à natureza
preservada, para as presentes e futuras gerações humanas; a soberania dos povos
e das nações; a possibilidade de participação de todos, nos processos de decisão e
nas estruturas de poder; a gestão coletiva ou a auto-gestão dos meios de produção
econômica.
13-Defendemos a pluralidade étnica e cultural, como base para uma nova ordem
mundial, que leve em conta não somente o universal, mas também o regional.
14-Neste sentido, é essencial a importância da cultura para a transformação de nossa
sociedade. A visão centrada em uma única cultura, os padrões consumistas, a
cultura do desperdício, a cultura da dominação, a visão exclusivamente
economicista ou desenvolvimentista da humanidade, são concepções que
queremos rechaçar. Defendemos o livre acesso ao conhecimento, a livre
expressão e debate das idéias, a livre troca de informações e experiências, a plena
realização de nossas humanidades e, o desenvolvimento ético e espiritual da
humanidade.
15-Consideramos que a educação formal, dentro do atual modelo capitalista, tem a
competição como instrumento de motivação, seleção e avaliação, preparando os
educandos para o mercado de trabalho, deixando de lado as reflexões e os
anseios do ser humano.
16-Propomos a ruptura com o atual modelo educacional e a utilização de
metodologias no processo ensino/aprendizagem que trabalhem de forma
cooperativa, que levem em conta o comunitário e o público, a formação política,
as transformações sociais, a pluralidade e a diversidade, o ambiente e as
aspirações do ser humano.
17-Defendemos a biodiversidade como forma de preservação e conservação das
espécies vivas e, como patrimônio da humanidade que não deve ser vendido ou
apropriado por pessoas ou grupos econômicos.
18-Lutamos pela construção de sociedades humanas que sejam ambientalmente
sustentáveis, por uma simples razão: a da defesa da sobrevivência de nossa
espécie e de todas as formas de vida.
19-Propomos um reformular das ciências. A maior parte das ciências utiliza-se de
conceitos e modelos criados há muito tempo e que, hoje, se apresentam
inadequados à luz de descobertas contemporâneas. Para que haja uma filosofia
coerente com este corpo de conceitos, existe a necessidade de rearticulação dos
modelos existentes adotando novos paradigmas.
20-A ciência e a tecnologia são indispensáveis para a construção dessa nova
sociedade, onde não haja degradação ambiental e exploração do trabalho
humano, inclusive com diminuição da jornada de trabalho e aumento do tempo
livre. No entanto, não podemos nos deixar influenciar pela crença de que só
através da ciência e da tecnologia se poderão atingir tais objetivos. É a própria
noção de riqueza e de trabalho que precisam ser reelaboradas. Outras sociedades
foram capazes de subordinar o trabalho a objetivos mais éticos e sociais, sem se
deixar escravizar por ele.
21-A luta pela construção do eco-socialismo passa pela invenção de tecnologias
limpas, humanizadas e sociais, e por uma apropriação crítica e coletiva do
complexo tecnológico à disposição da humanidade. Devemos estar atentos e
abertos a todo complexo tecno-científico que o conhecimento produziu e,
sobretudo, saber adaptá-lo às particularidades sócio-culturais de cada povo, tanto
para recusá-lo como para dele nos apropriar, quando necessário.
22-Na atualidade, o capital financeiro, informatizado e mais globalizado, circula
rapidamente pelos mercados nacionais e internacionais, excluindo um grande
número de pessoas – a maior parte da humanidade atual – às quais não apresenta
nenhuma perspectiva de futuro, nem ao menos para as necessidades mais
concretas e urgentes, de subsistência e de sobrevivência, negando assim, a
mínima possibilidade de dignidade humana a essas pessoas. É este mesmo capital
que devasta florestas inteiras, que usa e contamina boa parte da água do planeta,
que polui o ar que respiramos com substâncias que nos causam graves doenças,
que causa desastres climáticos, onde morrem milhões de pessoas e se perdem os
bens mais básicos para a sobrevivência dessas pessoas, que incentiva padrões de
consumo, muito acima das necessidades concretas dos indivíduos e das
sociedades. Tudo isto com uma velocidade jamais experimentada por nossa
espécie, podendo ameaçar a própria continuidade de nossa existência no
universo.
23-Por outro lado, a atual concepção do Estado nacional, autoritário e centralizador,
não mais satisfaz às necessidades das amplas maiorias desprivilegiadas a que nos
referimos, e nem as inclui em um projeto de sociedade democrática.
24-Por tudo isto, entendemos que só seremos bem sucedidos na construção dessa
nova sociedade se esse novo mundo for socialmente justo e ambientalmente
sustentável.
25-É nesta conjuntura histórica que se apresenta para nós a importância dos valores
necessários para a realização dessa missão a que nos propomos. Por isto, é
fundamental a discussão sobre quais valores e princípios são essenciais para
realizar as transformações civilizatórias propostas.
26- Levando em conta os argumentos acima sustentados, vimos a necessidade de
questionar e de discutir as próprias relações de poder. Na atualidade, os poderes
econômico, tecno-científico, político e bélico, além de serem cada vez mais
globais, são também cada vez mais totalitários. É fundamental que a ética passe
a nortear as relações de poder. Para tanto, são imperiosas algumas grandes
transformações: a busca pela superação do capital; a democratização das
estruturas políticas e dos processos de decisão; a democratização e readequação
dos fluxos de matéria e energia; a alteração dos processos produtivos e de gestão,
sob o controle de todos; e o desarmamento das nações.
27-O Mundo deve passar por uma desmilitarização e a construção de uma economia
e de uma cultura para a paz, que propiciem uma transição para um
desenvolvimento mais eqüitativo e a efetivação de uma democracia global.
28-Sem que as premissas acima descritas sejam cumpridas, não vemos a
possibilidade do surgimento de uma nova humanidade, porque entendemos que
não será a existência de um único ser feliz e livre, que salvará o restante dos seres
e dos entes. Devemos nos empenhar para criar condições e relações que sejam
experimentadas por todos os seres vivos, inclusive nós os humanos. Em
harmonia com os demais seres, com o universo e o cosmos, em condições de
autonomia, de dignidade e de igualdade de direitos para todos.
29-Este manifesto é o eco, regional e caiçara, dos manifestos eco-socialistas
brasileiro e internacional.
30- Compreendemos que este documento é um documento aberto e em
construção. Consideramos que não só a revolução socialista deva ser permanente,
mas que também o eco-socialismo é resultado da reflexão, da discussão e da ação
contínuas.

Santos, 06 de junho de 2004

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